Em que aventuras se enredaria Dom Quixote se, em vez de na Espanha, houvesse vivido na Inglaterra do século seguinte? Nesta autodeclarada “imitação” do romance cervantino, Henry Fielding (1707-1754) adapta o desvairado fidalgo da Mancha a seu pais e sua época – tirando de cena os apetrechos da cavalaria andante c pondo no palco um distraído pároco rural que viria a consagrar-se como uma das máximas criações cômicas da literatura inglesa: o pastor Abraham Adams, a um só tempo erudito e ingénuo, caridoso e pavio curto, sempre pronto a ministrar sermões ou bordoadas conforme os requeira a ocasião. Adams, em companhia do jovem Joseph Andrews (herói epônimo de quem rouba a cena), viverá mil transes picarescos, com direito às brigas de taverna e aos terrores noturnos que outrora ilustraram Castela.
Já o personagem-título de A História das Aventuras de Joseph Andrews vem dar resposta a um outro romance famoso, nesse caso Pamela (1740), de Samuel Richardson, best-seller epistolar em que uma criada virtuosa resiste ao assédio de seu amo até que este, em desespero, se resigna a tomá-la por esposa. Joseph é aqui o irmão dc Pamela, lacaio de uma dama de província que vem provar que a virtude entre os Andrews é de família: sua resistência às prementes solicitações da patroa o leva a ser corrido da casa e lançado na estrada. Ali ele se unirá a Adams e a sua amada Fanny numa trama cómica e panorâmica que procura proporcionar uma alternativa ao modelo sisudo e constrito de Pamela.
Joseph Andrews, como se vê, tem fundas raízes literárias, como seria de esperar de um autor como Fielding, amante dos clássicos, dramaturgo em decadência e polemista incorrigível. Ao mesmo tempo. porém, é uma obra dos tempos, e as aventuras que narra abrem espaço para a critica de costumes, a sátira política e a reflexão moral. Lé-la é como percorrer uma galeria de tipos da Inglaterra urbana e rural de meados do século XVIII, ou, mais exatamente, como examinar as telas sequenciais de William Hogarth. em que as virtudes e os vícios ingleses, muitos deles universais, são pintados com franqueza impiedosa e um sempre saudável bom humor.
Como Robinson Crusoé ou Moll Flanders, de Defoe, como Pamela e Clarissa, de Richardson, e como Tom Jones, do próprio Fielding, Joseph Andrews é uma das obras capitais da fase de ascensão do romance inglês, e esta edição comentada, com ilustrações de vários artistas, permite enfim ao público brasileiro conhecer seu encanto duradouro.
Sobre o autor
Henry Fielding (Sharpham, Glastonbury, 22 de abril de 1707 — proximidades de Lisboa, 8 de outubro de 1754), foi um romancista inglês conhecido criar o romance Tom Jones, um dos primeiros romances modernos, onde aparece, pela primeira vez, o narrador onisciente. Fielding era dotado de um humor vulgar e de uma intrepidez satírica. Além de suas conquistas literárias, ele teve um importante papel na história da aplicação da lei, tendo fundado (com seu meio-irmão John) o que alguns denominam o primeiro corpo policial da cidade de Londres, os Bow Street Runners, usando sua autoridade como magistrado. Sua irmã mais nova, Sarah, também se tornou uma escritora de sucesso.
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