Há na vida momentos privilegiados, nos quais parece que o universo se ilumina, que nossa vida nos revela seu significado, que desejamos o destino mesmo que nos coube, como se nós próprios o tivéssemos escolhido. Depois o universo volta a fechar-se: tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, tateando por um caminho escuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama de nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito.
Não há homem que não tenha conhecido tais momentos: mas ele logo os esquece, como um sonho frágil; pois ele se deixa capturar, quase imediatamente, por preocupações materiais ou egoísticas que não consegue mais enfrentar ou superar, porque pensa encontrar nelas o solo duro e resistente da realidade. Mas é próprio de uma grande filosofia reter e recuperar esses momentos privilegiados, mostrar como são janelas abertas sobre um mundo de luz cujo horizonte é infinito, cujas partes são todas interligadas, que é sempre oferecido ao nosso pensamento e que, sem nunca dissipar as sombras da caverna, nos ensina a reconhecer em cada uma delas o corpo luminoso do qual é a sombra.
Sobre o autor
Chamado por A.-D. Sertillanges “o Platão dos nossos dias”, Louis Lavelle foi professor do Collège de France e integrante da Academia de Ciências Morais e Políticas. Nascido na mesma região em que Michel de Montaigne e Maine de Biran, foi permanentemente influenciado por eles. Escreveu o que se tornaria a sua tese de doutorado em algumas cadernetas que comprou na cantina do campo de Giessen, onde passou os últimos anos da Primeira Guerra Mundial. Fundou, com seu amigo René Le Senne, a chamada filosofia do espírito. Lavelle influenciou decisivamente pensadores como Pierre Hadot, Alfonso López Quintás, Vicente Ferreira da Silva, Alfredo Bosi, Tarcísio Padilha, Étienne Borne e Paul Ricoeur.
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